Associação Brasileira de Provedores
de Internet e Telecomunicações

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O inconstitucional equívoco de cobrar ICMS sobre provedores de internet a alíquotas majoradas

26/11/2019 Voltar

 

Paulo Honório de Castro Júnior

Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT e sócio na William Freire Advogados

 

Breno Vale

Diretor Administrativo na Associação Brasileira de Provedores

de Internet e Telecomunicações - Abrint

 

 

No dia 27 de novembro, ocorrerá a votação em segundo turno do Projeto de Lei nº 1.014/2019, de autoria do Governador Romeu Zema, cujo objetivo é manter em 27% a alíquota do ICMS incidente sobre serviços de comunicação em Minas Gerais.

A regra atual determina o retorno do imposto à (já gravosa) alíquota de 25% a partir de 2020. Considerando que o Estado se encontra falido, o Executivo entende não ser possível perder 2% de arrecadação. O Governador então propõe o seguinte: 27% de ICMS na prestação de serviço de comunicação, de 1° de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2025, e 25% a partir de 1° de janeiro de 2026.

Mas será mesmo esta a melhor solução fiscal? E será esta pesada alíquota (25% ou 27%), onerando um serviço tão essencial como a comunicação em um mundo conectado pela tecnologia digital, quando comparada à alíquota padrão no Estado, de 18%, compatível com o mandamento constitucional pela seletividade do ICMS conforme a essencialidade de bens e serviços?

Em relação à (in)constitucionalidade da alíquota majorada do imposto sobre o essencial serviço de comunicação, não há dúvida: quando muito, os serviços de comunicação poderiam ser tributados pelo ICMS a 18%. Qualquer patamar acima representa vulneração à seletividade do imposto e à isonomia.

A Constituição estabeleceu que o ICMS poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A seletividade, como contraponto à uniformidade, permite que Estados estabeleçam alíquotas de forma diferente para os diversos tipos de produtos e mercadorias. A determinação constitucional é simples: ou o legislador estadual define a tributação de todos os produtos de forma igual (uniformidade) ou o faz de modo distinto para diferentes produtos (seletividade). Nesse último caso, foi expressamente determinado que a seletividade deve ser pautada pela essencialidade.

A diferenciação não pode ser feita de forma aleatória: os itens sujeitos ao ICMS menos essenciais devem ser tributados a alíquotas maiores e aqueles impreteríveis a alíquotas menores. Este é, inclusive, o posicionamento da Procuradoria-Geral da República, conforme Parecer apresentado no RE nº 714.139/SC, que definirá a controvérsia sob a sistemática da repercussão geral:

1. É inconstitucional o art. 19, inciso II, alíneas “a” e “c”, da Lei estadual 10.297/1996 de Santa Catarina no que prevê alíquotas do ICMS superiores à geral a incidirem sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações, por incompatibilidade com o princípio da seletividade/essencialidade.

[...]

De mais a mais, ainda que fosse o caso de considerar-se facultativa a aplicação da seletividade ao ICMS, uma vez feita a opção do legislador estadual pelo princípio da seletividade, passará, por lógica, a ser obrigatória a utilização do critério de comparação em virtude da essencialidade dos bens e serviços. Os mais essenciais deverão ser submetidos a alíquota menores do que as destinadas aos supérfluos. As alíquotas devem ser inversamente proporcionais à essencialidade, para impedir que sua definição seja permeada de subjetivismo.” (PGR, em 26.02.2015).

E mesmo que fosse superado o incontornável problema da inconstitucionalidade das alíquotas de 25% ou de 27% sobre quaisquer serviços de comunicação, o equívoco da medida, com vistas a aumentar arrecadação tributária, não poderia ser maior se considerado os ditos Serviços de Comunicação Multimídia – SCM, nos quais se incluem os provedores de internet banda larga.

Conforme bem definiu o Conselho de Contribuintes de Minas Gerais no Acórdão nº 22.852/18/3ª, em 07/03/2018, o “Serviço de Comunicação Multimídia possibilitou o grande salto da internet e passou a ser conhecido como ‘internet banda larga’. Deste modo, devido à não limitação da quantidade de licenças e ao preço razoável para sua obtenção, pequenas e médias empresas, que anteriormente eram apenas ‘provedores de internet’, passaram a ser detentoras de autorização para a prestação do próprio SCM e tornaram-se, também, operadoras de telecomunicações.”

Pequenas e médias empresas. Contrariamente ao senso comum quando se pensa em serviços de comunicação, os provedores de internet banda larga (SCM) são quase integralmente empresas de pequeno e médio porte, que lutam contra a dura carga tributária em Minas Gerais, especialmente em razão da alíquota gravosa de ICMS (27%).

Estamos falando de 825 SCMs autorizadas a operar no Estado pela ANATEL, o que representa 11% do total nacional. Dessas empresas, 43,5% são microempresas e empresas de pequeno porte, sobrevivendo no SIMPLES Nacional. Quando precisam sair desse regime de tributação, a situação é clara: de 2013 a 2019, 17 dos 18 Acórdãos do Conselho de Contribuintes de Minas Gerais em matéria de ICMS comunicação se referem a autuações sobre SCMs de pequeno e médio porte. Nesse mesmo período, todas as Consultas de Contribuintes respondidas pela Secretaria de Fazenda sobre o tema se referem a estas bravas sobreviventes da tributação mineira.

Isso tudo é sintoma inequívoco da complexidade e da onerosidade do sistema tributário sobre este segmento dos serviços de comunicação, justamente onde há maior competição, tão saudável para a economia mineira. Não é por outra razão que os provedores de pequeno porte são os que mais crescem no país: conforme dados da ANATEL, em 2015 as 4 grandes possuíam 88% do mercado, ao passo que pequenas 9% e médias 3%; em setembro de 2019, as grandes possuíam 73% do mercado, com um impressionante registro de 24% para as pequenas e 4% para médias.

Além disso, as pequenas são campeãs em cidades com menos de 100 mil habitantes, representando 61,2% do mercado. Podem imaginar como seria esse crescimento sem o entrave do ICMS a 27%? E como seria o crescimento da arrecadação tributária com mais empresas podendo sair do SIMPLES Nacional? Ao que tudo indica, isso não foi considerado pelo Governador ao propor o PL nº 1.014/2019, que infelizmente foi aprovado em primeiro turno, por 47 a 13.

Essa percepção econômica é a premissa de diversos Convênios aprovados pelo Confaz, que possibilitam que 11 Estados reduzam consideravelmente alíquotas do ICMS sobre pequenas e médias SCMs. Minas, naturalmente, não se encontra nesse seleto grupo.  

A votação em segundo turno será no dia 27/11. Ainda há tempo para que a razão prevaleça e que Minas possa seguir seu rumo próspero de geração de empregos e de aumento de arrecadação tributária, não pelo aumento de impostos, mas pelo crescimento da economia.

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